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Ausência

Foto do escritor: Jéssica MilatoJéssica Milato

A ausência tem um jeito curioso de se fazer notar.

No começo, ela chega escancarada, uma convidada indesejada que rouba o lugar de quem esperávamos ver. Na primeira vez, dói. É a ausência da cadeira vazia em um evento importante, da falta sentida em momento especial, do abraço que não aconteceu.

A ausência, nas primeiras vezes, é palpável, quase física.

É como se ela ocupasse mais espaço do que a própria presença seria capaz.

Na segunda vez, a gente tolera. É o famoso “acontece”. Um imprevisto, um compromisso inadiável, uma desculpa meio torta que ainda aceitamos com aquele meio sorriso amargo, acreditando que, da próxima vez, será diferente.

Mas, com o tempo, a ausência vai se repetindo e ganhando novas formas.

Passa a ser mencionada nas receitas da vida, na lista de justificativas que quase conseguimos recitar de cor. “Fulano? Ah, não pôde vir, sabe como é...”

A ausência vira um hábito, uma sombra que a gente aprende a esperar sem esperança.

E então, em algum ponto, ela para de doer. Não porque deixamos de nos importar, mas porque aprendemos a não contar mais. O lugar à mesa já não é posto, o convite já não é enviado, a espera já não é feita.

A ausência vai deixando de ser sentida, porque chega um momento em que a gente cansa de doer.

A expectativa morre devagar, quase sem a gente perceber, e, com ela, morre também a importância de quem nunca esteve realmente lá.

Aprendemos que quem quer estar presente, está.

Não é sobre horários, distâncias ou imprevistos. É sobre prioridade.

É sobre quem liga no meio do dia só para perguntar como você está, quem aparece sem avisar com um bolo quentinho ou quem segura sua mão no momento exato em que você sente que vai cair.

É sobre presença, aquela que não precisa ser constante, mas que é genuína.

Por outro lado, algumas desculpas conseguem ser piores do que o próprio fato de não estarem ali. “Ah, me avisa da próxima vez.” Como se o erro fosse nosso por esperar, por querer dividir aquele momento. Ou “Eu ia, mas…” seguido de uma justificativa tão mal costurada que só aumenta o vazio.

São as palavras vazias que amplificam a ausência, porque mostram que não se tratava de falta de tempo ou acaso, mas de falta de vontade.

Com o tempo, a gente aprende a não sentir falta de quem só nos entregou ausência.

Não é que nos tornemos frios; é que começamos a valorizar mais o que é pleno, o que é inteiro. Paramos de esperar de quem nunca chega, de insistir em quem só aparece por obrigação ou conveniência. Porque a vida, essa professora incansável, nos ensina que o maior presente que alguém pode nos dar é a presença — a real, a que preenche, a que não precisa de explicações.

A ausência, então, deixa de ser um buraco e vira um espaço.

Um espaço que preenchemos com nós mesmos, com quem ficou, com quem realmente quis estar. Porque estar presente não é sobre estar fisicamente perto, mas sobre estar verdadeiramente ali, seja com um olhar, uma palavra ou um gesto.

É sobre fazer questão, mesmo quando o mundo conspira contra.

E, assim, a ausência deixa de nos pesar. Tornamo-nos leves, porque aprendemos a caminhar só com quem caminha ao nosso lado.

O resto? Bem, o resto a gente deixa para trás.


 

Texto sentido após a apresentação maravilhosa da minha filha no dia 17/11, onde a sua tia e madrinha, disse que iria, mas, mais uma vez furou com ela este ano.

É, ser mãe, nunca deixa de doer.

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