Quando somos crianças, aprendemos cedo que o “não” é uma das palavras mais frequentes no vocabulário dos nossos pais. Queremos subir no sofá: “Não.” Comer mais um pedaço de bolo antes do jantar: “Não.” Pedimos explicações e, invariavelmente, recebemos o clássico: “Porque não.” Sem rodeios, sem debates, sem apelação. Aquilo era uma sentença e, de certo modo, parecia definitivo.
Crescemos com a sensação de que “não” era suficiente, uma resposta que carregava seu próprio peso e encerrava o assunto.
Mas, ah, como a vida adulta desmente isso.
De repente, estamos no mundo dos convites, das cobranças, das expectativas disfarçadas de gentilezas. Um amigo nos chama para um churrasco no próximo sábado. “Não, não vou.” E então vem a pausa. Aquele silêncio pesado que exige mais: “Por quê?”
E lá estamos nós, vasculhando desculpas, inventando compromissos ou moldando a negativa em algo que soe mais aceitável, quase pedindo desculpas por não querermos ou não podermos ir.
O “não” solitário não parece suficiente.
Ele precisa de um complemento, de um enfeite, de uma justificativa quase acadêmica, como se fosse uma questão de prova: justifique sua resposta.
O curioso é que, quando dizemos sim, ninguém questiona.
Sim é redondo, alegre, convida ao conforto.
Mas o não... O não parece carregar um fardo, uma sombra, como se precisasse se explicar para existir.
E então penso: o que foi que aprendemos com os “nãos” secos dos nossos pais?
Eles, com aquele “porque não” absoluto, nos ensinaram que o não poderia ser suficiente.
Só que o mundo lá fora exige o oposto.
Crescemos sem saber sustentar o não sozinho, sem penduricalhos.
Dizer não, sem justificativa, soa como falta de educação, quando deveria soar como honestidade. Se digo que não quero ir ao churrasco, isso já deveria bastar. Minha ausência não precisa de uma lista de motivos para ser válida. Talvez eu só queira ficar em casa, quieta, com um livro ou olhando para o teto.
E isso deveria ser tão aceitável quanto qualquer desculpa elaborada.
Mas não é.
As pessoas insistem. “Ah, mas por quê? Não quer ver a gente? Tá com algum problema?” Parece que o não é um insulto pessoal, um balde de água fria no entusiasmo alheio.
E aí vem o dilema: ceder e justificar, mesmo sabendo que o não já é, por si só, uma resposta completa, ou sustentar o silêncio e arcar com o peso de ser vista como seca, ou, pior, insensível.
O que talvez falte ao mundo, e a nós, é um pouco mais de aceitação.
Aceitar que o não, não é falta de amor, nem desinteresse, nem desrespeito.
Às vezes, ele é só um limite. Uma afirmação de espaço, de prioridades, de momentos.
Não deveríamos precisar explicar porque não queremos ir, fazer, ou ser algo.
Deveríamos aprender a escutar o não como nossos pais nos ensinaram: sem debates, sem acréscimos, sem tentativas de negociação.
E, mais importante, deveríamos aprender a dizer não sem nos sentirmos culpados por isso. Porque o não já é uma resposta inteira, robusta, cheia de significado.
Ele não precisa de um apêndice para ser válido. Basta existir.
Então, da próxima vez que alguém perguntar se vou ao churrasco, talvez eu simplesmente diga: “Não.”
E, se vierem os porquês, talvez eu diga, com a firmeza dos meus pais: “Porque não.”
Afinal, algumas lições da infância só fazem sentido quando o tempo passa.
E essa, definitivamente, é uma delas.
Texto hipócrita escrito por uma pessoa que tem dificuldades em dizer não, por medo de magoar quem o recebe.
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