Meu amigo terminou um relacionamento de treze anos. Dizer isso parece simples, quase mecânico, mas a realidade pesa como um piano caindo de um penhasco. A dor dele não é só emocional, é física, visceral. Em três meses, ele perdeu 20 quilos. Não por uma dieta consciente ou uma busca por saúde, mas porque o apetite, como tantas outras coisas, foi embora.
Olhá-lo é ver uma ausência: de si, de direção, de chão.
Sempre o considerei uma pessoa incrível. Inteligente, com um humor ácido e peculiar e uma escrita potente. Mas é impossível negar que ele vinha se apagando, como uma vela esquecida num canto da casa.
Treze anos é uma vida, e a dele, nos últimos tempos, orbitava inteiramente ao redor do companheiro.
Uma vida deslocada da própria órbita.
Ele mudou de cidade por amor, afastou-se dos amigos, dos parentes. Trocaram a agitação da cidade grande por um refúgio isolado, longe de tudo e de todos. No início, parecia uma escolha romântica, mas com o tempo, ficou claro que o isolamento não era poético.
Não saíam juntos.
Não saíam, ponto.
A rotina era claustrofóbica, um ciclo sem ventilação.
Meu amigo, que antes vibrava de vida, transformou-se em uma sombra que apenas acompanhava.
A vida dele não era mais dele, era do outro.
Agora, sem esse “outro”, ele sente o vazio como um abismo.
Não é só a ausência da pessoa, mas a ausência de si mesmo.
Olhar para ele nesses meses é presenciar um luto duplo: pelo fim do relacionamento e pela versão de si que ele esqueceu no meio do caminho.
Eu sempre tento lembrá-lo de algo que aprendi a duras penas: ser feliz sozinho é a base de qualquer felicidade compartilhada. Somos inteiros, não metades.
Quando nos entregamos ao outro sem preservar nossa identidade, o amor se transforma em dependência, e a ruptura, inevitavelmente, despedaça mais do que deveria.
“Você precisa se redescobrir”, eu digo, quase como um mantra. Mas sei que é mais fácil falar do que fazer.
O que significa redescobrir-se?
É relembrar os sonhos esquecidos, os hobbies abandonados, os pequenos prazeres que ele deixou para trás.
É reaprender a gostar da própria companhia, a ocupar o próprio espaço, a ouvir os próprios pensamentos sem medo do silêncio.
A verdade, porém, é que minha preocupação não é só com ele. Ver a dor dele me obriga a olhar para dentro e me perguntar: até que ponto não faço o mesmo em algum aspecto da minha vida?
Quantas vezes também moldei meu caminho para caber nos moldes de alguém?
Relações longas têm esse risco sutil: sem perceber, vamos cedendo aqui e ali, até que, um dia, já não sabemos onde termina o “nós” e começa o “eu”.
E ele é prova viva de que, quando o “nós” acaba, o “eu” perdido não reaparece de imediato.
É um processo.
Doloroso, solitário, mas necessário.
Porque viver em função do outro pode parecer um ato de amor, mas, no fundo, é uma traição consigo mesmo.
Esses dias, vi uma fagulha diferente nos olhos dele. Ele mencionou um plano, pequeno, mas seu: queria voltar a escrever. Quando me contou, foi como se uma janela se abrisse em um cômodo abafado.
Não importa se o que sair será bom ou não; o importante é que seja algo dele.
O começo de uma nova construção, tijolo por tijolo.
Torço por ele, não só para que volte a sorrir, mas para que descubra o prazer de caminhar sozinho.
Quando entendemos que somos suficientes, que nossa companhia é agradável, o amor que encontramos no outro é um bônus, não uma necessidade.
Um amor livre, sem as amarras do medo de perder.
Meu amigo está no fundo do poço, mas já escuto o som das unhas arranhando as paredes na tentativa de sair. E sei que ele vai sair.
Não é fácil reconstruir-se depois de um amor longo, mas é possível.
Ele ainda não sabe, mas está reencontrando a melhor versão de si.
E quando isso acontecer, ele será inquebrável.
Texto escrito para meu amigo Adriano.
Não se esqueça que estarei te esperando, quando finalmente sair do poço.
Te amo!
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