Perdoar não é esquecer.
Nunca foi.
A memória tem vida própria, teimosa como criança que insiste em mostrar o que a gente não quer ver.
Mas o perdão, ah, o perdão, é uma escolha.
E que escolha difícil.
É como olhar para uma ferida e decidir que ela não vai doer mais, mesmo sabendo que a cicatriz estará ali para sempre.
A gente tende a confundir perdão com amnésia.
Como se fosse possível apagar palavras ditas no calor do momento ou gestos que feriram mais fundo do que deviam.
Mas o perdão não é apagar; é aprender a conviver.
É como pegar uma foto antiga, daquelas que guardam tanto dor quanto saudade, e deixá-la num álbum ao invés de jogá-la no lixo. A memória fica, mas a forma como olhamos para ela muda.
E perdoar é menos sobre o outro e mais sobre a gente.
Parece contraditório, eu sei. Afinal, é o outro quem nos machucou.
Mas carregar mágoa é como segurar uma brasa achando que ela vai queimar outra pessoa. Não queima. Só a nossa mão. O perdão, então, é abrir a mão e deixar a brasa cair. É entender que o ato de soltar nos liberta mais do que qualquer pedido de desculpas poderia fazer.
Mas isso não significa que perdoar é fácil. Longe disso.
É como limpar uma casa depois de uma festa que você nem queria dar.
Tem o copo quebrado no canto, a cerveja derramada no tapete, o cheiro de algo queimado na cozinha. Você suspira, arregaça as mangas e começa a arrumar, porque a casa é sua.
O perdão é isso: cuidar do espaço que a mágoa ocupou em você, não pelo outro, mas porque é você quem mora ali.
E há outra coisa: perdoar não exige reconciliação.
Nem sempre quem nos feriu merece voltar para perto.
O perdão não é sobre abrir portas; é sobre fechar feridas. Não é sobre dar mais chances, é sobre dar paz a si mesmo. Não é esquecer o que foi feito, é decidir que aquilo não vai mais ditar o rumo dos nossos dias.
A escolha de perdoar é revisitar a memória com olhos novos.
É como voltar a um lugar onde fomos infelizes e perceber que o céu ali também é azul.
O passado não muda, mas o nosso olhar sobre ele, sim.
Perdoar é dizer: “Isso aconteceu, sim, mas não me define mais.” É um ato de resistência, de força, de amor-próprio.
E você não precisa apressar esse processo.
O perdão não tem prazo.
É uma decisão que a gente toma quando está pronto, e não quando alguém exige.
Respeite o seu tempo. Vá limpando a casa aos poucos.
E quando finalmente chegar o momento de soltar a brasa, perceba o alívio.
Porque perdoar não é esquecer, mas é, sem dúvida, libertar.
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